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Não é de agora que esse assunto surge e tampouco será a última vez que entraremos nesse tema, afinal, a economia é cíclica. Atualmente, esse é um dos principais temas de discussão e estudo nas rodas de economistas e nas plataformas de notícias sobre o mercado financeiro. Isso porque após uma deterioração muito grande em nossas contas fiscais ao longo da pandemia, chegou a hora de arrumar a casa que, por sinal, já deveria estar arrumada... mas ainda há muita coisa para ser colocada no lugar.
Lembrando que, em 2023, o resultado primário piorou significativamente frente a 2022, indo de 0,5% para -2,1% do PIB, em um ano de muitos desafios e com aprovação de uma importante parcela da reforma tributária. Houve uma redução significativa no crescimento da arrecadação, mesmo em um ano em que o crescimento econômico surpreendeu positivamente e, mais do que isso, manteve um patamar sólido e ligeiramente sustentado, ao redor de 2,0% ao longo de todo o ano. A arrecadação, por sua vez, vem sofrendo uma queda forte e constante desde o início de 2022 (ver gráfico 1). Quando olhamos em porcentagem do PIB, as receitas que estavam crescendo mais de 18% em 2022 não chegaram ao mesmo patamar em 2023.
Por outro lado, as despesas aumentaram quase 18% em 2023 frente a 2022, representando um acréscimo de mais de R$ 300 bilhões até dezembro de 2023 (ver gráfico 2). Vale destacar que esse aumento nos gastos foi impulsionado principalmente pelas despesas obrigatórias (+17,8%), com destaque para o Programa Bolsa Família (+17,6%) e pelos créditos extraordinários, decorrentes da decisão do Supremo Tribunal Federal em relação aos precatórios (+300%). Claro que muito disso só foi possível após mudanças implementadas sobre o teto dos gastos para acomodar algumas despesas não contabilizadas anteriormente. Quando olhamos em porcentagem do PIB, o aumento das despesas foi de mais de 1,6pp entre os anos de 2022 e 2023.
Com isso, ao final do ano, o resultado primário registrou um déficit de R$ 234,3 bilhões, equivalente a aproximadamente 2,1% do PIB (ver gráfico 3).
Para 2024, o governo definiu que a meta de resultado primário será zerada, com uma margem de tolerância de R$ 28,8 bilhões para mais ou para menos, o que representa 0,25% do PIB estimado para o ano, de acordo com as contas do governo. Contudo alcançar essa meta será bastante desafiador, pois exigirá um aumento significativo na arrecadação e muito acima do padrão histórico, em um ano que projeta-se crescimento abaixo do que observamos em 2023. Além disso, o crescimento real da receita previsto na Lei Orçamentária Anual de 2024 é de 11,3%, muito superior à média observada entre 1997 e 2023 (que foi de 4,8%), e também acima da expectativa de crescimento real do PIB para 2024, que não chega a 2,0%. Ou seja, o desafio é imenso.
Diante disso, o governo está buscando implementar diversas medidas para aumentar a arrecadação, dentre as quais se destacam: as leis referentes à tributação em fundos fechados e offshores; o novo regime de tributação simplificada sobre importações; o Projeto de Lei que regulamenta as apostas esportivas, e a Medida Provisória sobre a reoneração parcial das folhas de pagamentos de 17 setores da economia. No entanto, ainda é muito cedo para avaliar a verdadeira eficácia dessas medidas ao longo do tempo. Para se ter uma ideia, as projeções do mercado indicam uma melhora no resultado primário do governo em relação a 2023, mas ainda apontam para déficits consideráveis, sendo que o mesmo deverá permanecer negativo até 2026 (ver gráfico 4).
Por fim, e não menos importante, não podemos deixar de mencionar a evolução da nossa dívida pública. Após um aumento significativo durante a pandemia (que aconteceu por motivos mais do que justos e isso não podemos negar), a relação dívida/PIB apresentou uma tendência de queda até 2022, mas voltou a subir em 2023, atingindo 74,3% do PIB. Em simulação sobre qual seria o resultado primário necessário para estabilizar a dívida/PIB o cenário é pouco animador. Para se ter uma ideia, considerando as projeções que o mercado tem hoje para inflação (3,82%); PIB de 1,60% e juro real de cerca de 5,0%, seria necessário um superávit primário da ordem de 2,5% para a dívida permanecer estável no patamar atual de 74,3% (que obviamente ainda é muito alta). Para alcançarmos o tão sonhado superávit zero que o governo almeja, precisaríamos crescer mais e ter uma taxa de juro real muito menor da prevista atualmente pelo mercado (ver tabela1).
Ou seja, estamos longe de alcançar um resultado positivo nesse cenário. Vale destacar que as expectativas do mercado sugerem que essa relação continuará aumentando nos próximos anos, alcançando cerca de 83% em 2026. Um quadro bastante preocupante para o Brasil e que pode afetar muito a nossa economia.
Conclusão: esse quadro fiscal mal desenhado tem um impacto negativo não só para a imagem do nosso país – que pode ficar arranhada diante dos investidores estrangeiros e das agências de risco (lembrando que tivemos melhora em nossas notas ao longo de 2023 e isso pode estar indo por água abaixo), e consequentemente para a nossa taxa de câmbio . Como falamos no início do relatório, não se fala de outro assunto há um bom tempo, mais do que isso, esse assunto tem gerado aversão ao risco para o Brasil e contribuído de maneira bastante efetiva para que nossa taxa de câmbio permaneça pressionada. Se na mitologia grega o famoso calcanhar de Aquiles era sinônimo de fraqueza, já que ele morreu com uma flechada em seu ponto fraco, na vida real, o popularmente conhecido tendão de Aquiles é responsável por impulsionar nossos passos. Então, se hoje as contas fiscais são de fato o ponto fraco do Brasil, é fundamental que ele se fortaleça para podermos seguir adiante de forma sustentável. Assim esperamos!
Um resumo dos principais acontecimentos de cada dia que podem influenciar na taxa de câmbio, tudo isso em menos de 1 minuto.
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