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Já faz algum tempo que falamos sobre fluxo de investimentos em nossos relatórios especiais. Não por menos, tendo em vista que vivemos em um mundo globalizado com um grande fluxo de capital, ou seja, transações financeiras, como compra e venda de ações de empresas, títulos e moedas, etc. As transações que ocorrem hoje em tempo real estão no dia a dia das instituições financeiras e cada vez mais no dia a dia das pessoas físicas também, e que, na maioria das vezes, são operações feitas em dólar, ou seja, impactam diretamente na cotação da moeda, não tem jeito. Quanto maior o fluxo de capital (ou seja, dólares) vindo para o Brasil, menor a cotação e o contrário também é verdadeiro. É a lei básica da economia: quanto maior a oferta, menor o preço e vice-versa!
Mas voltemos ao fluxo e vamos lembrar um pouco do que aconteceu no passado recente (que parece que já foi há muito tempo, mas tudo bem). Em 2020, como reflexo da pandemia, tivemos uma forte queda de fluxo de investimentos no mundo, motivada pelas incertezas com relação a até então desconhecida COVID-19. Essa redução no fluxo mundial explicou a forte depreciação das moedas ao redor do globo. Já no ano seguinte, em 2021, passado o pior momento da pandemia, os fluxos voltaram a circular e o Brasil se beneficiou muito desse movimento – estávamos na moda, lembra? Escrevemos isso em um relatório no ano passado, veja aqui: Fluxos de investimentos: para onde está indo o dinheiro? E o câmbio?
Nos dados mais recentes, quando analisamos apenas os dados do Brasil, o fluxo ainda está bastante errático, em alguns meses bom, em outros nem tanto! Por exemplo, embora a gente tenha observado uma forte entrada de fluxo no mês passado, em agosto, os dados preliminares de setembro, já sinalizam um fluxo mais tímido para esse mês, veja o gráfico abaixo. Movimento que se confirma quando olhamos para nossa taxa de câmbio, tão errática e volátil quanto o fluxo. Veremos abaixo como essa variável se comportou em outros países.
De acordo com o Relatório de Investimento Mundial da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, UNCTAD, após forte recuperação em 2021, o fluxo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) global caiu 12% em 2022, atingindo US$ 1,3bilhões, devido principalmente à sobreposição de crises globais, dentre as quais destacamos, a guerra no leste europeu, o consequente aumento nos preços dos alimentos e da energia, além do aumento da dívida pública. A redução no IED, entretanto, foi sentida principalmente nas economias desenvolvidas, com queda de 37%, somando US$ 378 milhões. Já o fluxo para os países em desenvolvimento registrou crescimento de 4%, alcançando US$ 916milhões (reflexo da taxa de juros ainda alta nesses países, possivelmente).Contudo esse aumento aconteceu de forma desigual, com alguns países emergentes da Ásia e América Latina atraindo a maior parte do investimento, enquanto os fluxos para os países menos desenvolvidos, como África, diminuíram. Veja no gráfico.
Esse cenário é confirmado inclusive quando olhamos os dados mais recentes de fusões e aquisições – importante termômetro de fluxo. Entre o primeiro semestre de 2022 e o primeiro semestre desse ano, notou-se uma redução importante no valor total das fusões e aquisições globais, de cerca de 40%, com destaque para queda de praticamente 50% entre países da Europa e África. O conflito no Leste Europeu somado ao aumento da taxa de juros e a perspectiva de baixo crescimento justificam parte desse comportamento. Nos resta saber se essa fotografia será melhor no segundo semestre deste ano, sobretudo para países da América Latina, onde alguns países já iniciaram o ciclo de queda dos juros, como é o caso do Brasil.
Contudo, um ponto interessante a destacar é sobre os investimentos da chamada “economia verde”, que aumentaram substancialmente entre os anos de 2020 e 2022 (ainda não temos dados disponíveis para 2023), crescendo na maioria das regiões e setores, também de acordo com o relatório da UNCTAD. Segundo o relatório, “as indústrias que enfrentam desafios na cadeia de abastecimento, incluindo a eletrônica, os semicondutores, a indústria de automóveis e a de maquinaria, registraram um aumento nos projetos, enquanto o investimento nos setores da economia digital diminuiu”. Tanto que a emissão global de títulos sustentáveis quintuplicou em cinco anos, veja no gráfico.
Desde meados do ano passado, o fluxo voltou a um patamar positivo, considerando a soma em 12 meses – veja o gráfico. Contudo parece que ainda não temos motivos para uma melhora mais substancial desse indicador. Embora o Brasil tenha um pano de fundo positivo para o cenário macroeconômico, com: 1. crescimento melhor; 2. inflação e juros em queda, e 3. melhora no nível de confiança; a situação fiscal do País ainda é um ponto de grande incerteza e, provavelmente, um dos principais motivos para que a gente não veja uma melhora mais expressiva no comportamento do fluxo e consequentemente na nossa taxa de câmbio.
Se, em 2022, a melhora do fluxo esteve praticamente atrelada ao mercado acionário, neste ano, o grande destaque foi o ingresso para títulos de dívida atrelados ao tesouro Selic – veja o gráfico. E não poderia ter sido diferente, levando em consideração que a nossa taxa de juros chegou a bater os 13,75% a.a.– nível bastante interessante do ponto de vista do investidor. Contudo isso tende a mudar no médio prazo, com a expectativa de continuidade de corte nos juros por parte do Banco Central. Nesse cenário, ainda é difícil avaliar se o fluxo irá mudar para outro ativo, como fundos de investimentos ou ações ou se irá simplesmente reduzir. Esse comportamento vai depender muito da história que o país terá para contar daqui para frente. Como o quadro ainda é de bastante incerteza, a tendência é que o fluxo permaneça errático.
Ainda temos algumas grandes incertezas para este ano e, por conta disso, o comportamento do fluxo pode estar comprometido. Se, no ano passado, o fator eleições presidenciais foi predominante que diz respeito à aversão ao risco dos agentes, neste ano, as definições político-econômicas, sobretudo no que diz respeito ao quadro fiscal, são as principais responsáveis pelo nível de incerteza do mercado. Adicionalmente, temos um fator externo importante que tende a contribuir para a fuga de investimentos do Brasil, que é a permanência dos juros em níveis elevados em economias desenvolvidas, como EUA e países da Europa. Dois fatores com pesos importantes que podem comprometer a entrada de fluxo para o País tropical. Contudo, como falamos anteriormente, se continuarmos a ter um pano de fundo macroeconômico mais positivo, a história a ser contada pode ser um contraponto a essas questões. Ou seja, não temos um cenário totalmente fechado. Hoje, o mercado projeta que a taxa de câmbio continuará na casa dos US$/R$5,00 até o final deste e do próximo ano. Mas se nossa história melhorar e o fluxo voltar a fazer parte desse conto, talvez a gente tenha um cenário mais otimista também para o câmbio.
Um resumo dos principais acontecimentos de cada dia que podem influenciar na taxa de câmbio, tudo isso em menos de 1 minuto.
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