Por
Michele Loureiro
Além da grave questão humanitária e política, o conflito entre Rússia e Ucrânia têm efeitos diretos no comércio exterior global. Para mapear os possíveis desdobramentos para o Brasil, é necessário compreender a relevância dos dois países na economia mundial.
De acordo com um levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os principais produtos exportados pela Rússia somaram US$1,1 trilhão entre 2016 e 2020, com destaque para o petróleo bruto e derivados e combustíveis fósseis (gás natural, carvão), que correspondem a 56,9% do total exportado pelo país e 11% das exportações mundiais desse produto.
Além dos combustíveis, destacam-se o alumínio, com 2,1% das exportações, e o trigo, com 2% das exportações russas e 16% das exportações mundiais.
Já a Ucrânia conta com uma menor participação nas exportações mundiais, totalizando US$100,1 bilhões em remessas, sendo que 23,9% das vendas externas ucranianas são compostas por óleo de girassol, milho e trigo, seguida pelo minério de ferro (7%). No comércio exterior, as vendas de óleo de girassol, milho e trigo correspondem a 19%, 4% e 3% das exportações mundiais, respectivamente.
Para o Ipea, entre os pontos que mais geram preocupação em nível mundial está o aumento generalizado do preço do barril de petróleo, pressionando a inflação mundial do produto, que já está bastante elevada.
Também é previsto que o aumento do preço dos grãos tenha efeitos sobre a segurança alimentar, principalmente no caso da proteína animal, em função do comportamento do milho no mercado internacional.
Enquanto o conflito político segue punindo as populações locais e o desejo de pacificação aumenta, o Brasil começa a assistir os efeitos do confronto do outro lado do mundo. O Blog Ourinvest mapeou os principais pontos para ajudar importadores e exportadores a compreenderem melhor o momento. Confira a seguir:
Rússia e Bielorrússia respondem por 30,5% das exportações de fertilizantes potássicos e o Brasil é o maior importador mundial não apenas do total de fertilizantes como de cada um deles (nitrogenados, fosfatados e potássicos), seguido por EUA, Índia e China.
Mais da metade dos produtos russos adquiridos pelo Brasil são fertilizantes potássicos, nitrogenados e compostos, que correspondem a 22,9%, 17,5% e 16,5% do total, respectivamente. Portanto, o Brasil pode enfrentar dificuldades para substituir a oferta daqueles dois países por outros fornecedores, dado o seu peso na balança comercial entre os países.
De acordo com a Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos), os estoques disponíveis em março deste ano devem durar até junho.
A associação afirma que não será fácil para o Brasil substituir os fornecedores a tempo do plantio que se iniciará no segundo semestre, dado o peso do país nas importações totais desse produto e a forte dependência de Rússia e Bielorrússia.
Isso pode não apenas afetar preços como reduzir significativamente a safra 2022/2023 em alguns produtos, tanto pela redução da área plantada como da produtividade.
Um desdobramento controverso do assunto é o avanço do projeto de lei 191/2020 na Câmara dos deputados, que trata da mineração em terras indígenas. O ministro da Agricultura, Marcos Montes, disse que a exploração mineral de terras indígenas para fertilizantes é estratégica.
O projeto deve ser votado nos próximos dias com o objetivo de tornar o Brasil menos dependente de importação de fertilizantes e é amplamente criticado por ambientalistas.
Segundo Welber Barral, estrategista de comércio exterior do Ouribank, as questões práticas de importação e exportação já estão enfrentando problemas.
“Já temos empresas brasileiras que são importadoras de fertilizantes da Rússia e estão com dificuldade de fazer pagamentos e operações de crédito porque os bancos russos foram sancionados”, explica.
Além disso, as sanções impactam no tempo de entrega e custo do frete. “Vários navios russos estão sob sanção e não conseguem transitar. Com isso, é necessário encontrar outras formas de transporte e há mais custos e possíveis atrasos nas entregas”, diz Barral.
Outro desdobramento do conflito que pode afetar as importações brasileiras é em relação ao trigo. O Brasil é o quinto maior importador mundial do cereal e, mesmo que não importe da Ucrânia, pode ser indiretamente afetado pela pressão na oferta sobre os países que fornecem a commodity para o Brasil, como a Argentina que é responsável por 76,4% das importações brasileiras.
Já as exportações brasileiras podem ser afetadas, principalmente no mercado de trigo. “Há um efeito indireto na elevação dos preços das commodities, como o trigo, e isso reflete até na inflação do preço do pãozinho no Brasil”, explica Barral.
Além disso, Ucrânia, Rússia e Brasil são grandes exportadores de milho, o que significa pressão sobre a oferta brasileira em um cenário de interrupção dos envios dos dois países envolvidos na guerra.
A safra brasileira de milho de 2021/2022, apesar da quebra da produção no sul do país, deverá ficar quase 30% acima da safra anterior, anormalmente baixa, e o país pode alcançar o mercado chinês nas importações do cereal.
Apesar de ser grande parceiro da China em diversos produtos agrícolas, o Brasil não exporta milho para a China, enquanto a Ucrânia foi seu maior fornecedor, responsável por 67,72% do abastecimento chinês entre 2016 a 2020. É possível também que o país possa se beneficiar por uma alta dos preços do produto, pela escassez de oferta.
Na iminência da ameaça à segurança alimentar dos países que dependem das exportações da Ucrânia e Rússia, pode ser que haja uma janela de oportunidade aos produtos brasileiros, como alternativa para amenizar a falta de suprimentos.
Segundo o Ipea, por outro lado, o aumento da participação brasileira nos mercados internacionais de soja e milho podem representar um problema de abastecimento interno, com pressões inflacionárias sobre os preços dos alimentos, que já apresentam tendência de alta no mercado nacional. Vale lembrar que o preço do milho é decisivo para a formação dos preços de carnes de suínos e frangos.
“O fato é que estamos falando de produtos que afetam as cadeias produtivas do mundo e essa instabilidade não é boa para ninguém. Apesar de a América Latina não ser a região mais afetada com esse conflito, com certeza estamos vendo os reflexos da economia global por aqui”, finaliza Barral.
Um resumo dos principais acontecimentos de cada dia que podem influenciar na taxa de câmbio, tudo isso em menos de 1 minuto.
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