Relátórios de economia
18/7/2024

Copo meio cheio, meio vazio – qual você quer enxergar?

Por

Cristiane Quartaroli

Demorei alguns dias para conseguir escrever esse relatório. Eu tinha uma ideia, um viés, mas ao longo das últimas semanas parece que tudo virou de cabeça para baixo, as ideias acabaram ficando um pouco embaçadas e o sentimento de dúvida foi crescendo cada vez mais. Ou seja, se já não tinha muita certeza de nada (nunca temos!) agora parece que menos ainda. A parte boa é que contra fatos não há argumentos, então, podemos analisar os fatos para tentar argumentar com aquilo nos convém, escolher nosso melhor caminho - que poderá ser o correto ou não.

A economia brasileira melhorou, isso é um fato. Se analisarmos as principais variáveis macroeconômicas do primeiro semestre deste ano e compararmos com o passado recente, estamos melhores, sim. Claro que alguns temas ainda precisam ser endereçados (alô fiscal!), mas em linhas gerais estamos melhores do que estávamos há alguns meses. Nos resta saber se daqui para frente vamos deixar o copo cada vez mais cheio de coisas boas ou se a água vai acabar no meio do caminho. Vamos ver?

Copo meio cheio - a inflação cedeu. Quando olhamos pelo retrovisor, é nítido que houve uma melhora no quadro inflacionário, já que nos últimos dois anos o IPCA acumulado em 12 meses passou de uma variação de mais de 11% para algo mais próximo a 4,0% - acima da meta, é verdade – mas, ainda assim, uma sinalização bastante positiva. A redução nos preços administrados, bem como a menor variação de itens ligados à alimentação e bebidas (ver gráfico 1) foram os principais responsáveis por esse comportamento mais benigno no quadro inflacionário brasileiro. Lembrando que grande parte desse movimento esteve relacionado à queda da nossa taxa de câmbio nesse período (saudades!!), mas também ao efeito da política monetária contracionista - leia Selic mais alta – entre início de 2022 e final de 2023.

Copo meio vazio – as expectativas de inflação estão subindo. Apesar dos números mais comportados quando comparados aos anos anteriores e, após dados mais recentes terem mostrado uma surpresa positiva, as projeções para o IPCA do final deste ano e de 2025 já estão subindo há mais de dois meses (ver gráfico 2). Alguns motivos justificam esse comportamento, dentre os quais destacamos: 1. falta de previsibilidade sobre as contas públicas brasileiras, sobretudo, no que diz respeito à evolução dos gastos obrigatórios – quanto maior o nível dos gastos, maior a chance de pressão na inflação futura; 2. taxa de câmbio voltou a subir com mais intensidade desde meados de maio e câmbio em nível elevado por muito tempo costuma ter impacto (ainda que não de forma integral e imediata) na inflação futura. 3. impacto da melhora no mercado de trabalho nos números de inflação (falamos sobre esse tema em nosso especial de janeiro). Quanto maior a renda, maior o consumo e isso, consequentemente, pode se refletir de forma negativa em mais inflação.

O copo meio cheio - a taxa de juros está mais baixa. A inflação mais baixa permitiu que o Banco Central iniciasse o ciclo de queda da Selic em agosto de 2023 e, desde então, nossa taxa de juros passou de um patamar de 13,75% para 10,50%. Contudo o avanço das projeções de inflação para 2025 e as incertezas sobre as contas fiscais brasileiras fizeram o Banco Central tomar a decisão de fazer uma pausa na queda da Selic em sua última decisão do COPOM e o copo começou a dar sinais de que poderá voltar a ficar vazio!

Copo meio cheio: os indicadores de atividade econômica surpreenderam positivamente. O mercado vem revisando sistematicamente as projeções de crescimento para 2024. Se no início deste ano, a expectativa era de que o PIB fosse crescer cerca de1,40%, as projeções mais atuais sinalizam para um avanço de mais de 2,0%. E, de fato, quando olhamos os indicadores de mais alta frequência, a grande maioria surpreendeu positivamente. O comércio varejista, por exemplo, que foi divulgado na semana passada, mostrou crescimento de 2,8% até maio deste ano, sendo que no mesmo período do ano passado esse valor estava em 1,4%. O próprio IBC-br – indicador mensal do Banco Central que traz uma amostra do que seria o PIB mensal, registrou crescimento de mais de 2,0% para este ano, em linha com o comportamento das projeções do FOCUS que mencionamos anteriormente.

Copo meio vazio: os indicadores de confiança ainda não mostram uma tendência clara. Com a inflação cedendo e a taxa de juros mais baixa era de se esperar que tivéssemos indicadores de confiança mais bem comportados e que, portanto, isso se refletisse em um nível de crescimento mais robusto no futuro. No entanto, não é isso que temos observado, pelo contrário. A expectativa do consumidor voltou a ceder mais recentemente, sinalizando que a população está menos propensa a gastar e com dúvidas sobre o futuro da economia do país. Já a expectativa do empresariado, embora tenha melhorado, ainda está em nível inferior ao que observávamos no ano passado (ver gráfico 3), refletindo preocupação com a falta de previsibilidade sobre um possível avanço ou não nas reformas estruturais do Brasil, além da tributária que já está sendo endereçada. Incerteza gera queda de confiança e queda de confiança pode se refletir em menor crescimento no futuro.

Copo meio cheio: o cenário internacional melhorou, principalmente, quando olhamos para os EUA. A inflação americana mostrou alívio nos dados mais recentes e já se encontra próxima da meta e os dados do mercado de trabalho sinalizam que a economia americana está menos aquecida. Ou seja, esse é o cenário que o Banco Central espera para poder iniciar o ciclo de queda dos juros americanos. Lembrando que se espera queda de juros das economias centrais (EUA e Europa) desde o final do ano passado.

Copo meio vazio: as eleições americanas estão apenas começando e, embora as eleições na terrinha do Tio Sam não tenham impacto direto em nossa economia, elas podem gerar volatilidade nos mercados globais, afinal estamos falando de uma das maiores economias do mundo. Eventos como o que aconteceu no último final de semana (atentado ao candidato Trump), bem como indefinições sobre quem será o novo presidente dos EUA, geram aversão ao risco e afetam os ativos financeiros, de forma que podemos continuar observando pressão em nossa taxa de câmbio por conta desse tema.

Ao que nos parece, grande parte do mercado tem preferido olhar hoje para o copo meio vazio e quem sou eu para dizer que essa visão está errada quando ela de fato poderá se provar correta no futuro?! Mas preferimos dar peso maior ao lado do copo que ainda está um pouquinho mais cheio. De fato, acreditamos que temos um espaço maior para melhora do que para piora, como bem mencionei nos argumentos acima. Talvez seja teimosia de nossa parte (pode ser) talvez um olhar mais sonhador (é possível), mas isso só o tempo dirá e não teremos vergonha de afirmar que erramos (se tivermos errado, é claro!). E então, qual copo você irá escolher?

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Economia do dia a dia

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