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É constante o processo de humildade pelo qual todo economista passa ao longo da vida. São tantas variáveis, alguns acertos e muitos erros, que é como se você estivesse andando em uma corda bamba o tempo inteiro e que, a qualquer momento, bate um vento e te derruba. Alguns colegas aprendem com isso, outros nem tanto (risos nervosos). É sobre essa aleatoriedade que falaremos hoje, já que recentemente tivemos mais um imprevisto que fez a maioria dos economistas recalcular a rota ou, para os mais acadêmicos, incluir mais uma variável dummy(1) em seus modelos. Mais um dia normal na vida de um economista!
Para quem leu o último relatório, sabe que nem tudo estava a mil maravilhas. Mencionamos o cenário externo, com juros americanos ainda altos, economia chinesa crescendo pouco e quadro fiscal atrapalhado aqui no Brasil. Por outro lado, havia um pano de fundo macroeconômico positivo para o Brasil, com inflação cedendo, juros menores doque tínhamos há um ano e, portanto, uma economia se mostrando mais resiliente.
Maio chegou e parece que até o título do último relatório se encaixaria quase que perfeitamente neste também, afinal, as águas voltaram a ser tema central do nosso país nesse mês, com as enchentes no Rio Grande do Sul.
Claro que as perdas humanas e os estragos ambientais são muito mais importantes do que qualquer valor financeiro que se tenha perdido com toda essa tragédia. Contudo é também muito importante entender de forma esse acontecimento afetará a economia do Brasil, já que o Rio Grande do Sul representa cerca de 6,5% do nosso PIB e, de uma forma ou de outra, haverá impacto em determinadas áreas de nossa economia.
E cá estamos nós, economistas, em mais um exercício de humildade revendo projeções e reavaliando cenários após um fator aleatório e praticamente impossível de se prever. E, com isso, listaremos abaixo alguns impactos que, a nosso ver, nos parecem mais significativos neste primeiro momento:
O primeiro deles diz respeito a um possível impacto nas projeções de inflação. Lembrem: estávamos em um cenário de melhora nos indicadores de inflação, com as medidas de núcleo cedendo e os últimos resultados mensais mostrando algumas surpresas positivas. Contudo a inflação dos alimentos havia voltado a ficar pressionada (ver gráfico) e as enchentes na região sul do país tendem a agravar esse cenário.
Para se ter ideia, o Rio Grande do Sul é responsável por cerca de 70% da produção de arroz, que pode ter sido severamente afetada em decorrência dos eventos climáticos. Mas o arroz tem um peso pequeno no IPCA (0,78 p.p.), então o efeito tende a ser reduzido. Por outro lado, o estado também tem participação relevante nas produções de soja e carne – produtos que representam um peso maior nos indicadores de inflação.
De novo, os efeitos tendem a ser reduzidos também, pois estima-se que a colheita de soja já havia sido praticamente toda finalizada e os especialistas acreditam que as perdas na pecuária tendem a se reverter em elevação nos preços locais apenas. Ou seja, teremos um impacto negativo, porém pequeno em nosso cenário de inflação para este ano. As projeções foram revisadas ligeiramente para cima, segundo o último relatório Focus – de 3,73% para 3,80% no último mês.
Efeitos sobre o crescimento econômico são mais difíceis de mensurar. Os impactos mais claros estão ligados à agricultura e, principalmente à produção de arroz – que foi a cultura que mais sofreu com as chuvas. Vale destacar que, de acordo com especialistas, estima-se que a cultura do arroz represente cerca de 1% do PIB total do Rio Grande do Sul, ou seja, é um valor relativamente baixo, de forma que o impacto sobre nosso crescimento total tende a ser pequeno.
Por outro lado, além da agricultura, o setor de logística também enfrenta e continuará enfrentando desafios nos curto e médio prazos. Muitas rodovias, essenciais para o escoamento da produção, foram inundadas ou destruídas, interrompendo o fluxo normal de transporte de mercadorias e infligindo atrasos e perdas.
A paralisação da produção industrial devido a danos diretos às fábricas ou pela interrupção no fornecimento de matérias-primas, também é uma grande preocupação, pois pode levar a um efeito cascata, afetando indústrias em outras partes do Brasil que dependem de suprimentos produzidos no Rio Grande do Sul.
Ou seja, embora estime-se que os impactos totais sobre nosso crescimento sejam pequenos e diluídos ao longo do tempo, as projeções já começaram a ser revisadas para baixo. De acordo com a última atualização do Focus, houve uma redução em nossa projeção do PIB de 2,09%para 2,05%.
Por fim, vale destacar os possíveis impactos nas contas públicas. Embora entenda-se a importância de todo auxílio destinado ao estado, existe um custo fiscal por conta disso. Dentre as medidas já anunciadas destacam-se:
1. Possível suspensão da cobrança da dívida do Estado do Rio Grande do Sul com a União por três anos;
2. Pacote de medidas que pode chegar a R$ 51 bilhões, incluindo pagamentos antecipados de benefícios como Bolsa Família, auxílio-gás, abono salarial, restituição do Imposto de Renda, dentre outros;
3. Auxílio-reconstrução no valor de R$ 5 mil por família cadastrada, que custará R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos.
Ou seja, todas essas medidas são fundamentais para reerguer o Rio Grande do Sul — mas elas têm potencial para agravar a situação fiscal brasileira que já vinha sofrendo antes da crise provocada pelo evento climático. Vale destacar que alguns dos gastos públicos ficarão de fora das regras fiscais do governo, o famoso “arcabouço fiscal”, por conta de o Rio Grande do Sul estar em estado de calamidade.
Sendo assim, aquela meta de déficit zero que o governo projetava para o final deste ano e que já estava distante, está ficando ainda mais. E as projeções do Focus também mudaram para pior. De acordo com o último Focus, o mercado aumentou a projeção de déficit primário de -0,64% para -0,70%.
Conclusão: ainda é muito cedo para prever de fato quais serão os impactos desse desastre natural em nossa economia como um todo. Levando em consideração que o estado do Rio Grande do Sul tem participação importante em nosso PIB, como mencionamos no início do relatório, as revisões nas projeções podem estar até sendo modestas. Saberemos apenas com o passar do tempo.
E mais uma vez, aleatoriamente chegamos à conclusão de que imprevistos são a base da construção da humildade de todo economista.
(1) A ideia das variáveis dummies é transformar variáveis aleatórias em quantitativas, deforma que elas possam ser incorporadas em modelos estatísticos.
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