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Nossos leitores mais assíduos sabem que buscamos traduzir sempre o “economês” para a vida real. Acreditamos que Economia é algo que está presente em nosso dia a dia e que todos deveriam ter acesso aos conhecimentos básicos dessa ciência tão ampla e interessante. Pensando nisso, hoje vamos tratar de um tema que entrou em nosso radar no final do ano passado e, aparentemente, no do Banco Central também; e que, em “economês” se chama “Curva de Phillips” ou, de forma mais simples, a relação entre a taxa de desemprego e a inflação. Será que acendeu uma luz amarela?
Segundo essa teoria, existe uma relação inversa entre essas duas variáveis no curto prazo. Na prática, ela serve para calcular como o desemprego afeta a inflação e vice-versa. Ela mostra o impacto da população empregada nos preços de tudo aquilo que precisamos comprar no dia a dia. De acordo com essa teoria, a inflação e a taxa de desemprego têm uma relação inversa. Ou seja, quando uma aumenta, a outra diminui. Quando há mais empregos, os preços costumam subir. Isso quer dizer que a queda do desemprego pode influenciar no aumento da inflação. O oposto também acontece, ou seja, caso o desemprego aumente, a tendência é que seja necessário reduzir os preços para que as pessoas comprem – veja no gráfico1 como é a curva de Phillips na teoria.
Contudo, na prática, é sempre um pouco diferente e é importante mencionar que essa relação não é linear e pode ser influenciada por diversos fatores, como choques de oferta, políticas econômicas e expectativas dos agentes econômicos. No longo prazo, a relação entre desemprego e inflação pode se tornar mais complexa, envolvendo outros elementos estruturais da economia. Ou seja, parece simples, mas nem tanto.
O Banco Central, em sua última Ata divulgada no final de dezembro, dedicou um parágrafo à curva de Phillips, ou melhor, à relação entre mercado de trabalho e inflação. “A resiliência do consumo das famílias, que novamente surpreendeu positivamente, pode estar relacionada a um aumento da renda bruta familiar, em função da expansão do mercado de trabalho, de benefícios sociais e de ganhos de renda relacionados à desinflação em importantes segmentos da cesta de consumo. Por outro lado, a formação bruta em capital fixo, que é mais sensível às condições financeiras e às perspectivas e incertezas futuras, segue em queda, após uma forte elevação ao longo do período da pandemia. Alguns membros avaliaram que a persistência de uma conjunção de maior resiliência do consumo e queda no investimento poderia provocar, no médio prazo, um excesso de demanda em relação à oferta, com potenciais impactos sobre preços”.
E, de fato, os dados mais recentes da PNAD/IBGE mostram que nossa taxa de desemprego está patamar muito próximo da mínima histórica. Mais do que isso, a queda na taxa de desemprego veio acompanhada de uma melhora na renda da população de forma geral (veja o gráfico 2). Veja você, caro leitor, se em 2021 a renda média foi corroída pelo forte aumento da inflação que observamos ao longo da pandemia; nos dados mais recentes, o comportamento tem sido exatamente o contrário. Atualmente, o rendimento médio real (+6,0%) está rodando acima da inflação (+4,6%) nos dados acumulados em 12 meses. Um motivo a ser comemorado, claro. Mas, pensando na teoria que falamos acima, até quando esse crescimento tão expressivo da renda vai permanecer sem gerar inflação?
Supostamente sim, mas como mencionamos acima, em prazos mais longos, a relação entre desemprego e inflação tende a se tornar mais complexa. Vale destacar que o aumento no rendimento médio real total reflete, em grande medida, à evolução positiva dos salários do setor de serviços - que têm um peso significativo em nossos indicadores de inflação (mais de 35% do total do IPCA, por exempo). Veja no gráfico 3 - o rendimento médio do setor de serviços também voltou a uma trajetória ascendente desde meados do ano passado. Não podemos afirmar com toda a certeza que a inflação irá subir única e exclusivamente por conta desse fator – até porque outros fatores tendem a influenciar o comportamento da inflação – principalmente quando pensamos em prazos mais longos. Mas essa a luz amarece está ficando mais evidente.
Além disso, a combinação desses fatores com a expansão dos gastos que temos observado desde 2021 (após gastos extremamente necessários durante a pandemia), junto à previsão de maiores gastos também para 2024 (ver gráfico 4), tende a pressionar a inflação no futuro. Para se ter ideia, as projeções de inflação para os próximos anos (entre 2025 e 2028) estão em 3,50% - acima da meta estabelecida, mas abaixo do patamar atual (4,6%). Se, de fato, a realidade imitar a teoria, é possível que essas projeções sejam revisadas para cima e que isso se reflita em nossa taxa de juros – mas isso é um tema para outro especial!!!
Por fim, vale destacar que embora pareça que de fato a luz amarela exista, nossa percepção é de que há outros fatores que poderão ter impacto positivo para a inflação deste ano, como a taxa de câmbio que deve continuar cedendo, a desaceleração esperada para nossa economia e, por exemplo, a expectativa de queda nos preços de algumas commodities. Além disso, o poder de compra do brasileiro hoje é menor – justamente por conta da forte elevação nos preços que tivemos ao longo da crise de 2015 e da pandemia – o que justifica a possibilidade de um menor consumo no futuro e, portanto, uma menor inflação. Dito isto, esperamos que o Sr. Phillips ainda não dê as caras em 2024.
Um resumo dos principais acontecimentos de cada dia que podem influenciar na taxa de câmbio, tudo isso em menos de 1 minuto.
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