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2024, nos pegou de surpresa. Se olharmos o relatório que escrevemos ao final de 2023 com as perspectivas para esse ano, veremos que tanto nós quanto os demais analistas de mercado tínhamos uma visão mais positiva e não foi muito bem isso que aconteceu. Fomos surpreendidos negativamente nos mais variados aspectos da nossa economia. A taxa de câmbio ficou mais pressionada, a inflação subiu e a taxa de juros que era para encerrar o ano abaixo de 2 dígitos, terminará o ano muito próxima de 12% a.a., com expectativas de subir ainda mais. A única exceção e surpresa positiva foi o crescimento econômico que, mais uma vez, ficou muito acima do que o mercado projetava lá no início do ano (ver tabela abaixo). Entender onde foi que erramos (em tudo...risos nervosos) e tentar decifrar o que poderá acontecer daqui em diante será a árdua tarefa dos economistas para os próximos meses, vamos lá?
A situação está tão fora de ordem que parece até que estamos vivendo outra pandemia. Não no sentido sanitário da coisa, mas no sentido de que tudo parece bagunçado, fora do lugar, como falamos lá no título deste relatório. A começar pelo cenário internacional. Temos duas guerras em curso – do Leste Europeu e do Oriente Médio – e, embora elas não tenham impacto direto em nossa economia, são eventos que afetam a ordem geral do mundo, trazendo incerteza e volatilidade para os ativos financeiros. Além disso, afetam preços das commodities que são matérias-primas amplamente negociadas e essenciais para a economia mundial. Para se ter ideia, as commodities representam mais de 60% das nossas exportações. Ou seja, de alguma forma somos afetados por essa questão geopolítica, mesmo que indiretamente.
Além disso, teremos desafios e temores a serem enfrentados por nossos dois principais parceiros comerciais – os EUA e a China e os dois juntos, tudo misturado, mas separados e brigados, e uma possível nova guerra comercial. Nos EUA a grande questão a partir de 2025 será a condução do país pelas mãos do novo presidente Donald Trump. A expectativa de uma política ultraconservadora e protecionista tende a favorecer a economia americana (e só eles), gerando maior impulso econômico (só para eles), mais inflação e, consequentemente, mais juros. De forma bem resumida, a expectativa é essa e o impacto disso para os mercados emergentes é pressão nas taxas de câmbio, que já estão bastante pressionadas, diga-se de passagem. Lembrando que hoje, tanto a inflação quanto os juros americanos estão em queda (ver gráfico) e uma reversão nesse movimento pode ser de fato bastante ruim.
Soma-se a isso a expectativa de menor crescimento chinês que, veja bem, caro leitor...não é que estamos falando de um crescimento de 1%, mas algo mais próximo de 5% e que ainda assim é pouco para a grande potência mundial chamada China, acostumada a crescer, em média, 8% a cada ano (ver gráfico). A desaceleração do crescimento econômico do país asiático pode ter consequências significativas para a economia mundial, aumentando o risco de recessão. Para o Brasil, a menor demanda da China, que é hoje nossa maior consumidora de produtos agrícolas e minerais, por produtos brasileiros impacta os exportadores e pode limitar nosso crescimento econômico (mas não sei se estamos muito preocupados com isso, veremos mais adiante).
Se olhando para fora a desordem parece estar grande, quando olhamos para dentro, não estamos lá muito bem-organizados também. Como falamos no início do relatório – as projeções já estiveram melhores. O quadro inflacionário é o que mais preocupa, pois é o que pode desencadear uma piora escalonada para as demais variáveis. A inflação ao consumidor hoje está rodando na casa dos 6,0% e as expectativas para 2025 e 2026 não são nada animadoras, ambas estão acima da meta. Como bem mencionou o renomado economista José Roberto Mendonça de Barros em artigo recente “a piora das expectativas na economia está próxima de virar um fato consumado”. Será que teremos anos difíceis pela frente?
Lembrando que nossa taxa de câmbio já subiu mais de 20% desde o início do ano e não há sinais de melhora. Câmbio elevado por muito tempo é sinônimo de inflação, já vimos isso num passado não tão recente. Ou seja, o fato pode estar mesmo se consumando e, com isso, o Banco Central se verá obrigado a elevar ainda mais a Selic (que já está alta novamente), como mostram as projeções do mercado. Taxa de câmbio, inflação e juros nas alturas são os principais ingredientes para que as projeções de menor crescimento a partir do próximo ano se concretizem. Então está difícil de discordar das palavras de Mendonça de Barros. Já fomos mais otimistas, é verdade, mas parece que o combustível da positividade está se esgotando.
Isso sem entramos em detalhe no cenário fiscal, que já comentamos em outros relatórios ao longo do ano, e que ainda nos dará muitos motivos para discussões e preocupações futuras. Hoje, além de não ajudar, está atrapalhando. Ou seja, 2025 deverá ser um ano ainda mais desafiador, repleto de muitas incertezas e uma contínua e estranha desordem, como se estivéssemos diante de algo que começou a se erguer, mas nunca se completou. Ou, dando continuidade a letra da música que deu título a este relatório “aqui tudo parece que era ainda construção e já é ruína”.
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